1ª ETAPA – DESENVOLVENDO AS FUNÇÕES VISUAIS COGNITIVAS
A
ênfase do programa utilizado neste estudo de caso, que aqui será
apresentado, foi sobre o desenvolvimento visual, viso-cognitivo,
viso-motor. A Professora realiza a criação e adaptação de recursos e
atividades de acordo com as necessidades visuais específicas
apresentadas pela criança. A Terapeuta Ocupacional elabora recursos e
atividades lúdicas com cenas significativas do cotidiano que permitem
desenvolver suas possibilidades e minimizar as dificuldades apresentadas
numa ação funcional contextualizada, propondo uma adequação do
ambiente: mobiliários adaptados, recursos especiais e modificação da
iluminação, quando necessário.
Desde muito cedo, BS,
criança nascida de parto normal, apresentava um comportamento em seu
desenvolvimento diferente de outras crianças. Já havia, por parte da
família, uma suspeita de cegueira, porque a criança não reagia e não
acompanhava com os olhos aos estímulos visuais que lhe eram
apresentados.
No início do ano de 2004, quando BS
tinha dois anos e meio a família matriculou-a numa escola de cegos, onde
iniciou os programas de atendimentos. Período este que recebi seu
encaminhamento da oftalmologista constando o diagnóstico de cegueira
cortical e a necessidade de atendimentos de estimulação visual.
Foi
realizada uma avaliação funcional quanto a sua percepção visual. Ela
apresentava nistagmo e reflexo pupilar muito lento. Tentou-se maximizar
caracteres para melhor utilização das capacidades e habilidades visuais,
apesar disso, os problemas visuais eram bem mais complexos. Ela contava
apenas com uma leve percepção da luz de lanterna, a ± 3 cm de distância
em AO.
Através da compreensão do distúrbio ocular
apresentado foi possível identificar suas dificuldades em realizar
tarefas visuais. Contudo, a compreensão dos efeitos funcionais, levando
sempre em consideração o comportamento apresentado durante os
atendimentos (característicos a alguns estímulos, adaptações e situação
sócio-emocional apresentada pela criança), valorizou uma avaliação
individual considerando todos os fenômenos da função visual existente e
aplicando atividades de interesse, tais como, contação de estórias e
atividades lúdicas. Assim, foram levadas em conta tanto as condições
físicas quanto emocionais e sócio-emocionais durante todo o processo. Os
horários de atendimentos variavam de acordo com a atividade apresentada
e o interesse da criança, normalmente, entre 40min e 1h30min, três
vezes por semana.
“A avaliação funcional é um processo
de observação informal do comportamento visual da criança em relação ao
nível da consciência visual, da qualidade da recepção, assimilação,
integração e elaboração dos estímulos visuais em termos perceptivos e
conceptuais. Observa-se a maneira como a criança utiliza a visão no
brinquedo, na mobilidade, na escola e nas atividades da vida diária.”
(MEC, 2001: 54-55)
Após avaliar seu quadro funcional,
deu-se início aos atendimentos de estimulação visual, onde lhe era
oferecido estímulos visuais coloridos e com brilhos, luzes de lanternas
(também coloridas), de uso direto, visando o desenvolvimento de sua
capacidade visual.
Além
de estímulos luminosos, com o decorrer dos atendimentos e evoluções
visuais apresentadas, foi possível inserir funções visual-cognitivas
necessárias ao seu desenvolvimento funcional, utilizando os mesmos
recursos, e melhorando suas habilidades como: identificar perto / longe,
distanciando e aproximando a luz de lanterna, grande / pequeno,
utilizando lanternas grandes e pequenas, localização de direita /
esquerda, em cima / embaixo, entre outras. Com quase três anos, BS já
era capaz de acompanhar os movimentos da lanterna apenas com o movimento
de cabeça e identificar suas localizações, além de responder aos
estímulos de luzes a cerca de ± 10 cm.
Procuramos
trabalhar de forma cautelosa. Nas atividades supracitadas, procurávamos
sempre integrar suas habilidades visuais às táteis, olfativas,
auditivas e paladares e, com uso da luz na luminária, eram realizadas
adaptações para atividades lúdicas, como: esconde-esconde com uso da luz
de lanterna em sala escura, contação de estórias com as luzes coloridas
(estas visavam desenvolver também sua atenção visual), adivinhações e
experiências com auxílio de estorinhas, músicas, entre outras; era
sempre percebível o prazer que sentia durante os atendimentos.
Utilizávamos apenas atividades lúdicas com uso de lanterna ou de
luminária sem fazer alusão à visão ou utilização desta (como exemplo:
“Brincávamos” no escuro iluminando os objetos a serem utilizados, entre
outros).
Antigamente
acreditava-se que o desenvolvimento de uma criança com deficiência
seguia a mesma seqüencial de desenvolvimento de uma criança dita
“normal”, contudo, apresentava-se num processo mais lento. Atualmente,
acredita-se que o desenvolvimento da criança especial segue uma
seqüência diferenciada, ou seja, os comportamentos são aprendidos em uma
ordem própria. Assim, as atividades foram desenvolvidas de acordo com
sua faixa etária e condição visual. A cada evolução visual apresentada
eram adaptadas novas atividades para atender suas carências e
desenvolver novas habilidades.
Próximo ao final do ano
de 2005, com quase quatro anos, BS já era capaz de acompanhar os
movimentos da lanterna (cerca de ± 15 cm) e de alguns objetos coloridos
(cerca de ± 10 cm), com a cabeça, identificando suas localizações, além
de responder aos estímulos de luzes.
Seu
desenvolvimento acontecia num contexto de fases progressivas de
maturidade. Por esse motivo, foi/está sendo realizado um trabalho
criterioso (dialógico, interativo e lúdico) e bem dosado, com avaliações
constantes, possibilitando assim identificar qual o melhor momento para
inserção de uma nova fase de atendimento, visando possibilidades de
aprendizagem visual num plano pedagógico.
No primeiro
estágio, à medida que os exercícios aumentavam sua percepção visual, a
criança apresentava uma melhor reação pupilar, concomitante, diminuição
do nistagmo e melhor acomodação. De acordo com a colocação de Bruno
(2005, p.9):
“A acomodação foi concebida por Lindstedt (1986) como
o processo de formação de imagem clara na retina. Segundo a autora, a
acomodação interferiria na resolução visual para atividades de perto;
uma disfunção acomodativa resultaria em imagem nebulosa, estresse
físico, mental, fadiga e irritação.”
Assim, com o
decorrer dos atendimentos e evoluções visuais, observando o
comportamento de BS a cada atividade apresentada, em diferentes
situações e condições sócio-emocionais, procurou-se direcionar os
propósitos para atividades funcionais visual-cognitivas (sempre
reforçadas em cada fase visual), necessárias ao seu desenvolvimento
funcional, visando o desenvolvimento de sua capacidade visual para o
reconhecimento de cores, bem como, discriminação, seleção e associação
destas.
Era perceptível o esforço realizado pela
criança (muitas vezes demonstrando estresse e desprendimento) durante a
execução destas atividades, sendo assim, era preciso usar de artifícios
(como as atividades lúdicas) para que esta mantivesse seu interesse.
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